quarta-feira, 30 de dezembro de 2009
Origens
Eu nasci numa terra rodeada pelo mar e coberta de montanhas dispersas, muito altas, que subiam sempre além do espesso banco de nuvens, e onde havia grande variedade de fauna e flora. Na minha terra, casinhas de pedra e de madeira estavam distribuídas ao Deus dará, pelo solo irregular, como se alguma criança pequena tivesse decidido brincar com elas e depois de se cansar, as tivesse deixado assim… A única casa bonita dali era, sem sombra de dúvida, o Palacete. Ninguém sabia quem o habitava, quem o construíra… A verdade é que o meu povo, há duzentos anos, antes de se fixar para sempre, reparou imediatamente no Palacete, que permaneceu imutável desde aí. É por isso que o Palacete é considerado o único grande mistério da nossa terra.
Nessa altura chamavam-me Mava, e eu gostava muito do meu nome. Era um orgulho para mim quando eu me aprontava, cheia de saias e de rendas, e a minha mãe, lá fora com a bilha de barro em equilíbrio na cabeça, me convocava:
- Mava, minha filha, vai buscar leite. – A minha mãe falava alto, e dessa maneira, todas as casinhas ouviam… Cheia de sorrisos, ia eu toda contente relevo abaixo, a cantar, enquanto ia buscar o leite. Outro aspecto de que me orgulhava era a minha voz. A terra onde nasci gostava de me ouvir cantar… Quando ia ao leite, nas madrugadas; Quando eram Domingos de Primavera e de Verão, na celebração da missa, bem no meio da rua, porque a Igreja estava a ser construída há já três décadas, sem sucesso… Nunca possuí uma grande beleza, tal como me disse a minha mãe, mas graças ao meu talento musical, ao meu nome e à maneira como me trajo, ela diz que posso vir a arranjar um bom marido. Eu fico feliz com isso, afinal trata-se do meu futuro!
O que eu mais apreciava na minha terra, muito para além do mar cinzento de monotonia, ou das montanhas verdejantes de esperança, até mesmo do velho Palacete acobreado, era a misteriosa neblina, que pairava solenemente sobre esta terra velha que nem a sua idade sabia… Todos os dias eu mirava a neblina e contava-lhe histórias, cantava-lhe canções, declamava-lhe poemas em latim, que eu não sabia o que significavam, mas que tinha a certeza que a neblina sabia… Fazia-lhe estas coisas porque eu queria que ela ficasse contente… Porque era minha amiga… Também lhe fazia perguntas. Muitas perguntas. Era a idade da minha terra, a idade da própria neblina, a existência do Palacete, tudo. Mas a neblina nunca me respondia… Eu nunca me importei, porque sabia que ela um dia me responderia a tudo o que eu quisesse…
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