Como um piano numa sala trancada,
Que toca sozinho,
Uma melodia
Forte e grave
no seu ser imperial,
Melodia que enche a vida
de ilusão,
Uma ilusão que me diga
Que a partir daquele momento
a minha vida
começara a fazer sentido,
Uma melodia
clara e aguda
Que me dê a ilusão
De que algo bom virá,
Que me faça lembrar
da rebentação do mar,
um leão que passeia na selva
ao sabor do vento,
que tal como um pequeno baco navega,
para longe,
até onde a minha imaginação o deixar ir,
onde um sol trémulo ilumina
esse piano que toca sozinho
em suas teclas flutuantes,
que me fazem lembrar
danças antigas,
uma valsa a preceito
uma rosa vermelha junto ao peito
numa falésia
num dia enevoado.
Uma melodia calma,
mas possante e digna
como quem,
num leve fio de ar
voa mais alto
do que qualquer um
uma melodia furiosa
que pede a calma,
um improviso
entre o agudo e o grave
ou na voz de quem a canta,
ou simplesmente no pensamento
de um piano abandonado
numa sala trancado
que toca sozinho...
é como se a irrealidade
quisesse levar-me do meu corpo
arrancar-me da verdade
e tão depressa me dá
notas de conforto,
um pássaro que chilreia,
como me dá
notas de desespero,
um náufrago numa ilha deserta...
com canções de vitória,
canções de amor e glória
me leva este piano só
para uma melodia desconhecida
e puxa-me como as fortes correntes do mar
puxam o pequeno barco
que foge até ao fim da minha imaginação;
como a rosa cujos espinhos
furam o meu peito...
melodia reconfortante,
e sinto o chilrear dos pássaros,
o sorriso de um anjo.
mas vem melodia triste,
e a falésia desaba sob os meus pés
e eu caio, com a rosa vermelha
junto ao meu peito.
lágrima de sal...
e espero pela melodia aguda, jovem
doce como uma noite de Primavera
que num beijo se transforma,
o sossego da minha alma.
toca, gentil piano,
toca uma vez mais para mim
leva-me a sonhar uma vez mais,
pois quero navegar à deriva
no meu pequeno barco,
rumo à minha imaginação...