sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Matilde sabe onde nasceu. Sabe o que fez e onde viveu até completar um ano de idade e ter ido viver para o orfanato onde ninguém é adoptado. Matilde já contou muitas vezes a história da sua vida, para adormecer os bebés, entreter os pequenos ou apresentar-se. A vida de Matilde podia começar com “era uma vez”, aliás só não começa porque ela acha que as pessoas não são vezes, são pessoas, como o próprio nome indica.
Um dia, quando Matilde era mais nova, atravessou o corredor e foi ter à cozinha, onde estava Íris, a torrar o pão para fazer o pequeno-almoço. Íris era a senhora que mandava naquele estranho orfanato. Matilde tinha o coração a bater muito depressa, quando entrou na divisão. Estava nervosa.
-Bom dia, Matilde. Já tens fome?
- B-bom dia, Íris. Não, ainda não tenho fome, obrigada.
-Precisas de alguma coisa?
-Sim.
-E o que queres tu?
-Contar-te uma história… Que mais ninguém sabe. Só eu. – Íris pareceu mais preocupada e intrigada e assim que pôs o leite no fogão, puxou uma das cadeiras de palha e sentou-se para ouvir Matilde:
-Eu venho de uma família diferente: Há alguns anos, no Hemisfério Sul, existia um reino, onde havia uma princesa muito bonita, que se chamava Matilda. Ela gostava muito do seu povo e queria ser rainha.
Um dia, um americano de nome Tobias chegou a esse reino, como visitante. Foi aos lugares mais interessantes, como fontes, jardins, teatros, casas antigas… Tudo isto porque gostava muito de viajar e queria conhecer o Mundo e os seus lugares mais magníficos e imponentes. No quinto dia da sua visita ao reino, quando ia visitar uma igreja muito importante que ficava numas colinas ali perto, deparou-se com um grande alarido junto à atracção que queria comtemplar no último dia da sua estada: o Palácio Real. Toda a azáfama se devia a um cortejo que estava a ser realizado nesse preciso momento. Tobias aproximou-se para ver melhor, mas os seus olhos vidraram-se na rapariga loura que acenava às multidões: era a Princesa Matilda. Ela também o olhou fixamente e apaixonaram-se.Tobias decidiu prolongar a sua estada. Durante o dia, visitava monumentos e à noite visitava a sua princesa.
Ora numa dessas noites, o Rei Mikko descobriu que a filha namorava às escondidas e proibíu-a de ver Tobias, mas ela, chateadíssima, fugiu do Palácio. A princesa e o americano decidiram então correr mundo, à procura de uma casa de que gostassem. Começaram na Ásia e viram a Rússia, a China, o Japão, a Tailândia e tantos outros, todos com os seus templos budistas e os enormes arrozais; viram a Índia, Bangladesh e a Indonésia, com todas as divindades politeístas e a cultura indu. Foram para a América do Norte e visitaram os Estados Unidos, o Canadá e o Alasca, com todas aquelas pessoas, muito diferentes entre si; passaram pela América Central e viram o quente México, entre outros países desse género; visitaram por fim a América do Sul e conheceram o Brasil, o Chile e a Argentina. E na América, não comtemplaram o país de Tobias… Partiram para África, visitando Marrocos, com as suas antigas fábricas, Etiópia, com as montanhas consideradas sagradas devido ao nascimento do longo rio Nilo, e o Egipto, com o desaguamento do Nilo e a extraordinária obra do Homem na Antiguidade, viram também Angola, Moçambique e o Quénia, com a pobreza extrema daqueles povos. O último continente que visitaram foi a Europa. Visitaram todos os países europeus e as suas cidades mais importantes. Para o fim, ficou Portugal, que se tornou no sítio preferido, de todo o Mundo, da Princesa Matilda e de Tobias. Casaram-se numa quinta refugiada minhota. Planeavam instalar-se quando os homens do Rei Mikko invadiram a Europa. Os fugitivos partiram para o Canadá e decidiram ir viver para uma daquelas ilhas geladas, sem sinais de televisão ou rádio, onde se chega apenas através de quebra-gelos. Essas ilhas ficavam no caminho entre o Canadá e a Gronelândia e apesar de Tobias ter avisado a Princesa Matilda de que faria mesmo muito frio, ela quis ir.
Encontraram uma ilha com uma pequena população, muito amigável, e por lá ficaram. Construíram lá uma bonita casa e deram-lhe um nome: Terraço. E foram lá muito felizes. Num desses dias muito felizes, a Princesa engravidou e noutro desses dias felizes eu nasci. Eu, Matilde. Quiseram dar-me um nome português, parecido com o da minha mãe. E foi aí que eu passei a fazer parte da felicidade de Matilda e Tobias.
Quando estava prestes a completar um ano de idade, os homens de Mikko encontraram-nos e foi o mal de todos nós. Disseram à minha mãe:
-Sua Majestade está a salvo. Regressará ao seu reino sem demora. – Ao meu pai disseram:
-Tu, seu vádio, serás exilado num país exótico e obrigado a casar com uma nativa. – E o meu súbito choro chamou a atenção dos guardas:
-Esta criança não poderá ser conhecida. Provavelmente morrerá. – Então, a Princesa Matilda e Tobias tanto suplicaram e rogaram que os guardas acabaram por aceitar a minha ida para um orfanato desconhecido e perdido no Mundo.O meu próprio pai me levou a este orfanato, bateu à porta e disse:
-Esta é a Matilde. Faz um ano na semana que vem. – E foi-se embora, porque as lágrimas inundavam o seu rosto. Nesse mesmo dia partiu para a Tailândia. E a minha mãe, longe e distante no seu reino…
As últimas palavras da história de Matilde foram já um murmúrio leve. Íris não disse uma única palavra. Escutar é bom. Entretanto, o leite escaldava e as torradas estavam pretas.

1 comentário:

Anónimo disse...

Mais um conto fantástico! A big xi:)